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1 de dezembro de 2022Artigo
Andre de Freitas, diretor-presidente da Fundação Renova
Faz sete anos que se rompeu a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, localizada no
munícipio de Mariana. Esse desastre impactou quase 700 km de rios em Minas Gerais e no
Espírito Santo e a vida de centenas de milhares de pessoas, em diferentes graus de
intensidade. Passado esse tempo, qual o balanço da reparação até agora?
A resposta a essa pergunta não é simples e é possível encontrar pessoas com opiniões em todo
o espectro de possibilidades, de maneira não dissimilar ao momento político que vive o Brasil.
Esse paralelo se mantém na dificuldade de realizar discussões baseadas em fatos, adotados ou
descartados de acordo com a lente de interesses por meio da qual as pessoas enxergam a
realidade.
Mas quais fatos temos? O primeiro é que não havia muito conhecimento científico sobre a
realidade do rio Doce pré-rompimento da barragem. Isso representa um dos maiores desafios
para o processo da reparação: como é possível retornar algo à sua condição original se essa
situação é desconhecida?
O termo de ajuste que rege a reparação – conhecido como TTAC, assinado entre as empresas
Samarco, suas acionistas Vale e BHP e o poder público – reflete esse desafio, ao conter tanto
aspectos bem definidos, para os quais está claro o que se deve fazer e aonde se quer chegar,
como questões mal definidas, que permitem diferentes interpretações e, consequentemente,
conclusões sobre o que deve de fato ser feito. Uma perícia independente, realizada pela
consultoria internacional AT Kearney, identificou que, para os temas com escopos bem
definidos, a reparação avançou e segue avançando. Já para os temas com escopos pouco
claros ou imprecisos, a reparação “travou” e é mais difícil avaliar os resultados. Esses temas
tenderam a ser judicializados, com o resultado de que hoje mais de 40% da reparação se
encontra em discussão no Judiciário.
Muito se noticiou nos últimos 18 meses sobre uma possível repactuação do acordo da
reparação entre as empresas e poder público, nos moldes do acordo assinado entre a Vale e o
governo de Minas Gerais para o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em
Brumadinho. Uma repactuação bem-feita, em que os recursos repassados ao governo sejam
alocados nas áreas atingidas, é uma excelente oportunidade de esclarecer as questões mal
definidas, condição necessária para que a reparação também avance nesses aspectos.
Entrando em avanços específicos, temos que a água do rio Doce voltou a condições similares
às de antes do rompimento e pode e está sendo consumida em vários municípios, após
devidamente tratada em estações de tratamento convencional, como acontece com qualquer
outro rio brasileiro usado para abastecimento de água potável.
Mais de 1,5 milhão de dados são gerados anualmente por um dos maiores sistemas de
monitoramento de cursos d’água do Brasil, que permite acompanhar, ao longo do tempo, a
recuperação do rio e gerar subsídios para as ações de reparação dos danos causados pelo
rompimento da barragem de Fundão. Esse sistema é referência nacional e os dados estão
disponíveis na Internet para quem quiser acompanhar e até mesmo fazer as suas próprias
análises (portal monitoramento rio Doce).
Há também avanços importantes na indenização da população impactada, com mais de 400
mil pessoas indenizadas para diferentes danos, com cerca de R$ 12 bilhões pagos em
indenizações e auxílios financeiros. Um dos eixos mais importantes do trabalho de indenização
foi a criação, pelo Judiciário brasileiro, de um sistema simplificado para reconhecer os danos
percebidos por quem atuava na economia informal. Esse sistema, inédito no Brasil, permitiu
que até o momento fossem indenizadas mais de 71 mil pessoas, entre pescadores artesanais,
artesãos, areeiros, agricultores e outros. O desafio atual é que as sucessivas decisões do
Judiciário trouxeram uma flexibilização das condições para acessar esse sistema,
especificamente com relação aos documentos que comprovam a residência pretérita, e hoje
existe uma grande preocupação com tentativas de fraudes. Apenas para dar um exemplo, em
alguns municípios, existem mais requerimentos de indenização do que o próprio número de
habitantes. Ou, até mesmo, para delimitação do núcleo familiar, pessoas que possuem mais de
um cônjuge ou companheiro(a).
Em qualquer balanço da reparação, é necessário falar da reconstrução dos distritos afetados e
restituição das moradias para quem foi removido de suas casas forçadamente pelo
rompimento da barragem. Das 526 famílias afetadas, 228 tiveram os seus casos resolvidos com
a mudança para os seus novos imóveis ou indenizações. Adicionalmente, nos reassentamentos
coletivos de Bento Rodrigues e Paracatu, existem hoje 82 casas concluídas, e as obras seguem
num ritmo intenso, com a expectativa de que, ao final de 2022, existam cerca de 170 casas
concluídas e que os serviços públicos estejam em início de operação. As famílias envolvidas
estão começando a planejar as suas mudanças para os primeiros meses de 2023. O restante
das casas está em processo de construção ou aguarda alguma definição por parte das famílias
ou, em casos específicos, do Judiciário, como por exemplo, conclusão de processos de
inventários.
Existem avanços importantes no abastecimento de água, como os 17 sistemas de tratamento
concluídos, 15 sistemas de captação alternativa concluídos e 18 adutoras construídas ou
reformadas. Em dezembro será concluída a maior ação nessa frente de trabalho, a construção
da adutora de Governador Valadares, com 38 km de extensão e 900 litros por segundo de
capacidade. Existe uma área equivalente a mais de 700 campos de futebol restaurados com
matas nativas e milhares de hectares em processo de restauração, no que é possivelmente o
maior programa de reflorestamento em curso na América Latina.
As informações acima são uma amostra do que foi feito na reparação até o momento, e
existem muito mais avanços resultantes dos cerca de R$ 25 bilhões investidos e do empenho
das mais de 10 mil pessoas engajadas nesse processo.
Entretanto, é necessário reconhecer que a reparação avançou menos do que todos os
envolvidos gostariam e que ainda há muito trabalho a realizar. A própria dimensão dos
impactos de um evento da magnitude do rompimento da barragem de Fundão ainda não foi
completamente compreendida e possivelmente nunca o será. A solução para os temas
insolúveis tecnicamente deve ser negocial e, em vez de mais estudos e perícias, para esses
pontos a reparação do rio Doce deveria se pautar por um acordo que leve a ações
compensatórias para a sociedade impactada como um todo.
- Andre de Freitas é diretor-presidente da Fundação Renova. Engenheiro Florestal formado
pela USP, tem mais de 16 anos de experiência à frente de organizações sem fins lucrativos
nacionais e internacionais, como Imaflora, Forest Stewardship Council e Sustainable Agriculture
Network.
Sobre a Fundação Renova
A Fundação Renova é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, constituída com o
exclusivo propósito de gerir e executar os programas e ações de reparação e compensação dos
danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
A Fundação foi instituída por meio de um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta
(TTAC), assinado entre Samarco, suas acionistas Vale e BHP, os governos federal e dos estados
de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de uma série de autarquias, fundações e institutos
(como Ibama, Instituto Chico Mendes, Agência Nacional de Águas, Instituto Estadual de
Florestas, Funai, Secretarias de Meio Ambiente, dentre outros), em março de 2016.